domingo, fevereiro 11, 2007

Votei SIM. Porquê?

Hoje fui exercer o meu dever cívico. Com o intuito de contribuir com a minha opinião para um assunto que acarreta questões que transcendem a legislação, lá estive a reivindicar a cruz no SIM!
A pergunta em causa é:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Há uma clara subdivisão da questão em quatro perguntas:

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez?
Sim concordo, porque um filho não pode existir como fruto de uma ligação trivial; devido a um acidente de concepção ou por outro qualquer motivo erróneo. Tem de ser algo que se queira. Uma pessoa nasce com um dever e um estatuto que devem estar assegurados.
Além disso, apesar de na prática nenhuma mulher ser presa por ter abortado, pois é-lhe aplicada uma pena suspensa, a verdade é que fica com cadastro para toda a vida. Quando, por exemplo, concorre a um emprego, esse facto, quer queiramos quer não, não é abonatório para si.
Não se trata de liberalizar o aborto ao despenalizá-lo, trata-se apenas de não punir uma mulher se tiver decidido abortar. Liberalizar é dar com liberdade. Se despenalizar fosse equivalente a liberalizar, então estaríamos num pressuposto moral não ultrapassável. Não creio, que assim seja. É antes uma questão de saúde pública.
Votar não, é penalizar e proibir. Votar sim, é dar a possibilidade de escolha. Esta proibição, transporta um imperativo mais moral do que outra coisa. E a moral é no mínimo subjectiva. Portanto, não é de facto a melhor solução, porque assim fosse abrangeria todas as situações.

Se realizada por opção da mulher?

Se não for a pedido da mulher, é a pedido de quem? Não se trata de a mulher ser dona suprema da sua barriga ou não. O que não pode acontecer é relativizar-se o conceito de vida. Quer se aborte em caso de deficiência grave do feto, violação, ou por motivos de risco de vida para a mulher, a verdade é que se aborta. Será um feto, nas situações anteriormente descritas, menos vida do que um dito normal?
Se a lei em referendo for avante, quer isto dizer que é a instância individual de cada mulher que vai ser o juiz. Mais do que um juiz regido pelas leis humanas, é um juiz formado na consciência de cada uma. Talvez, o mais viável de todos.
Este é o grande motivo de eu votar sim.

Nas primeiras dez semanas?

Desde 98 que abortar independentemente da semana de gestação, é ilícito. Mais do que isso, é clandestino. Inúmeras são as pessoas que vivem deste negócio nas malhas da clandestinidade, edificando verdadeiras fortunas sobre aquilo que o estado não aprova: a liberdade de abortar. Ironicamente, acaba por as de tratar no SNS, com o dinheiro dos imposto dos cidadãos, quando a clandestinidade não corre bem.
Em dez semanas pode-se ter gerado parte de uma vida, mas em pouco minutos podem destruir-se duas. Assim sendo, este prazo possibilita a opção de escolha para se ponderar uma gravidez e decidir levá-la a termo ou não, sem pôr em risco a vida da mulher. Nos restantes países onde a lei foi avante, os prazos são variáveis. Estamos, mais uma vez, numa relatividade tornada, minimamente consensual, no prazo que foi a referendo. Se é ou não o mais acertado, isso não sei. Mas é o prazo possível.

Em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Os profissionais de saúde que se manifestam contra o aborto, procuram camuflagem em termos numéricos. Se olharmos para as estatísticas, facilmente se verifica que hoje, apenas 15% dos abortos acontecem no estrangeiro, em clínicas privadas, pagas a preço de ouro. Por quem pode, claro está. Dos que são feitos em território luso, a maioria já é realizada em estabelecimentos de saúde: 32,2% em clínicas privadas, 18,2% em consultórios médicos, contra uma minoria de 6,9% feita em hospitais públicos. Apenas 39,4% dos abortos são realizados em casas particulares. A lei é clara, quando exige que os abortos nos casos que fogem ao já estipulado, sejam punidos com prisão. Curiosamente, 45% destes são feitos pelos senhores doutores, contrapondo os 30,6% que são executados por parteiras. Caricatamente, tudo isto quando abortar é crime a diversos níveis. Além do referido, 22,7% das mulheres obtiveram informações sobre o local clandestino onde poderiam abortar, por intermédio de um profissional de saúde. Uma autoridade na matéria, portanto. E quando é uma autoridade a manter a ilicitude da sua conduta, então pouco mais haverá a acrescentar.

Nesta óptica, ninguém me pergunta:
Quando começa a vida?
Abortar é matar?
Concorda com o referendo?
Deverá ser uma mulher absolutamente dona do seu corpo?

Se estas questões não estão no debate, usá-las como argumento não me parece válido.
Pelo referido anteriormente, o SIM pareceu-me o mais razoável.
Espero, sinceramente, que a abstenção não prive a legalização da pergunta levada a referendo.
Votar é um direito, só possivel se for primeiro do que tudo um dever.

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