quinta-feira, dezembro 14, 2006

Aquecimento anímico

Às vezes sonho. Outras vezes sou real. Num recanto mais ou menos aperfeiçoado, encontro-me em cada pincelada de ambição. Sonho por exigência, por vontade, por mim e comigo. Sonho porque sim. O desejo é mestre e eu, por vezes, sua aprendiza. No seu bailado revogo-me. Num endereço anunciado e pródigo aceno ao desejo de ser. Em certas ocasiões, abraço-o com o afinco próprio de quem se edifica sobre as movediças aragens de uma alma habituada a mim.
Entre alguns graus abaixo ou acima dos limites impostos, assimilo-me numa posição mediana. Mas a virtude não a encontro no meio. Vislumbro-a vertiginosamente nos excessos de uma ou de outra extremidade pois, onde quer que ela esteja, a vertigem antecede-a. Imito-lhe os passos, quando me apetece imitá-los. Faço caminhos divergentes quando os seus passos já não são visíveis ou, simplesmente, não os posso trilhar.
Aqui e ali paro, escuto e até olho. Prendo-me às amarras nítidas de tão polidas que estão, nas quais o sonho embarca sendo deriva. Bóia de forma ingénua e brandamente distraído, com excesso de peso ou demasiada leveza. Quando não chega a boiar, pelo menos está lá. Se a minha mão quase o atinge, ele foge. Se o ignoro faz-me afronta. Sorri-me quando o suplício o domina e recata-se quando a imensidão o desafia. De quando em vez, convida-me a embarcar. É costume ir só ele. Ver partir é bom quando se faz falta no porto. Ao optar por ficar, ele aluga-me o olhar e eu vejo-o diluir-se. Depois, viro-lhe as costas e venho para casa. Sei que voltará e será, invariavelmente, meu hóspede intríseco.

Um comentário:

Farqad al-Khawwas disse...

Olha só posso dizer que fiquei desidratado após ler este post.
Muito bom! Fiquei a Sonhar com água! Continua! Jks