segunda-feira, dezembro 25, 2006

Post não natalício em dia de Natal


É Natal, e hoje o espírito quis que eu escrevesse assim...
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Lá fora, naquela noite, estava vento e a aparente acalmia tinha embrulhado a cidade. Joana confirmara-o com o olhar esguio que tinha lançado sobre janela da cozinha, enquanto esperava que a água estivesse pronta para envolver a saqueta do chá. De relance, olhou o relógio que resolvera colocar há poucos dias naquele espaço. Marcava 23:50.
Cá em baixo, em frente ao seu prédio, Afonso tinha acabado de parar o carro. Desde esse momento até decidir que iria tocar à campainha, tinham passado alguns minutos. A espanto, Joana abriu-lhe a porta. Enquanto se aprumava no elevador, tentava arquitectar palavras que lhe serviriam de manto no momento em que ela o questionasse sobre aquela visita deveras tardia. Por fim o elevador parou. A passos largos e com as mãos trémulas dirigiu-se a ela.
_ Afonso?!
_ De… Des… Respirou, momentaneamente, afim de restabelecer a voz e continuou. Desculpa Joana, tinha de vir! Já que não quiseste ir comigo ao cinema, tomei a liberdade de trazer este filme.
Olhou para os seus sapatos, numa tentativa de esconder a timidez e, por fim, continuou.
_Bom, o que não vale é eu ficar aqui à porta com este ar de adolescente envergonhado. Será que posso entrar?
Joana esboçou um sorriso meio incrédulo e disse:
_ Sim, entra.
Ela, com a sua simpatia característica, acomodou-o no sofá. Parecera que este o tinha esperado o dia todo.
_ Acabei de fazer chá, vou buscá-lo e bebemos os dois.
Sentado no sofá, Afonso estava tenso. A sua postura era análoga a um menino com receio que alguém descobrisse que estava apaixonado. Procurando a melhor posição para se acomodar, tinha em mente palavras que ansiavam por se libertar.
_ Pronto, cá está. É de limão, o meu preferido! Se não gostares faço-te outro.
_ Creio que não será preciso, eu gosto desse.
À medida que ela lhe colocava o chá na chávena, sentia-se com vontade de evaporar em conjunto com a exalação das moléculas daquele odor. Embora pretendesse questioná-lo sobre o facto de ele ali estar, não o conseguia fazer. Estava melindrada. Reparou que Afonso se sentia francamente embaraçado, pois entrelaçava as mãos sem qualquer tipo de intenção. Olhou-o nos olhos e estes mostravam alguma coisa que ela não conseguia definir a preceito. De seguida, baixou os olhos para poisar o bule em cima da mesa. Então, Afonso quebrou o silêncio que se tinha instalado e, exprimindo a medo palavras sentidas, proferi-as.
_ Joana, sei que me tens evitado nos últimos tempos. Eu próprio tenho sido cobarde por consentir que nos tivéssemos afastado. Lutei contra o facto de estar aqui e agora contigo, porque o meu orgulho constrange-me os actos e reprime-me. Porém, não me detive. E hoje, só hoje, eu venci-o. Confesso-te que o filme foi o único artifício capaz de me arrastar com ele até aqui. Na verdade, nem reparei qual era a capa do mesmo, porque não o quero ver nem tão pouco olhá-lo. O motivo de eu estar aqui, és somente tu. É a ti que te quero olhar, como de tantas outras vezes. Quero ver-te. Preciso ver-te. Sei que se não estivesse aqui, estaria em qualquer outro lugar. Mas o meu pensamento, esse, encarnaria em ti. Estaria nos momentos em que, mais do que um do outro, fomos nós. Tu à tua maneira e eu à minha. Fazes-me terrivelmente falta. Superior àquela que julguei ser possível suportar. Tanta que me sufocas por não estares e quando estás é no teu sufoco que me descubro.
Joana tentou tomar-lhe as palavras mas desde logo Afonso a deteve.
_Não, deixa-me continuar! Se paro, já não prossigo. Vai arrefecer-me a alma e com ela qualquer réstia de bravura que neste momento ainda está em mim.
Não me peças para ir embora. Há palavras em mim, que, ou digo agora ou são recalcadas para a mente calar.
Quero-te. Quero-te muito. Assim, em ti. Com cada defeito e cada virtude. Sem ti não me acostumo, porque sem ti perco o meu próprio costume. Perco-me e não me sei encontrar. Cada momento em que há de ti, faz-me renascer. Porém, não quero renascer, quero ser. Só isso. Se existir contigo, consumo-me sem me gastar. Por isso, das outras vezes, não há mais nada em mim para além de um eu que não quero nem sei encontrar.
Respirou, tencionando continuar, mas a voz de Joana sobrepôs-se.
_Também te quero, mas não te posso ter. Se te tivesse, possuir-te-ia. Quando se tem, o encanto quebra-se pelo facto de, mesmo inconscientemente, querermos possuir e possuir não é ter, mas roubar. Roubar-nos nos outros. A minha cama é fria quando não estás. A minha alma não quer existir por não encontrar alento. Estou magoada, pois sei que não te consigo magoar. Queria gritar, expulsar-te daqui, mas seria destruir-me. Se ao menos não te desejasse, tudo seria mais fácil.
Calaram-se. Foram silêncio. Naquela noite, a mesma do vento lá fora, encontraram-se mutuamente na lentidão da incerteza, na respiração ofuscante e na partilha dos seus corpos. Muito mais do que pertença carnal, foram eles. Dissiparam-se naquele momento que não era da imortalidade, era só e unicamente deles. E, porventura, da complementaridade daqueles dois mortais que pertenciam, impreterivelmente, um ao outro. Muito mais do que à Terra ou a um deus.

Um comentário:

Anônimo disse...

ahhhhhhhhh adoro estas historias e tu sabes!!! Escreve um livro, eu preciso disso, preciso de um livro teu. Quero uma continuação desta historia obscura e filosofica de amor! quero saber como é k duas pessoas com tal pensamento lidam um com o outo em diversas situações! DA-ME MAIS