domingo, novembro 05, 2006

Noite de sofá

A teimosia da chuva fez questão de preencher a noite. Acabei por me aninhar no sofá e não saí. Este programa alternativo não escolhe idades e eu ontem tive de o escolher a ele. Agarrei no telecomando e carreguei aleatoriamente num número. Parece que foi o dois. Num gesto certeiro, estava a começar o filme: “Cidade de deus”. Já tem um tempinho, é certo. Prendeu-me a atenção desde o primeiro minuto porque a cena inicial já me era familiar. Deliberadamente, quis voltá-lo a ver. Harmonizei-me sem grande intimidade com a manta e acabei por não mudar de canal.
Para quem nunca viu, é uma história estranhamente real. Trata-se de uma favela brasileira onde se aplica o velho lema: ou matas ou morres. Há rivalidade entre os dois líderes dos bairros: o Zé pequeno e o Cenoura. O primeiro é negro cresce aos trambolhões, escapando aqui e ali sem ele próprio conseguir perceber como chegou à adolescência. É frio, calculista e mata por prazer. O segundo é branco, mais generoso e faz tudo pelo dinheiro. Todos os fins justificam a sua obtenção. A acção desenvolve-se à volta das picardias entre um e outro.
A certa altura um miúdo com peito enaltecido diz perante uma provocação: “Eu já fumei, já cheirei, já matei e já roubei. Eu sou muito homem.” Frase fictícia de um filme inspirado em factos reais. É curioso o ápice com que se passa da ficção à realidade.

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